Há uns dois anos, a única pessoa do Colégio Metropolitano que já viu de perto minha vagina olhou meus exames e, após uma consulta de duas horas, confirmou. Amiga, você está no climatério.
O bom de ter amigas desde a adolescência é que a gente conta com uma rede de pessoas que têm o perfil profissional mais variado que se pode imaginar. Entre pilotos, engenheiros, coaches, juízas, arquitetas, fotógrafos e mecânicos, K.C. se tornou ginecologista. Mais que isso, de uns tempos pra cá ela vem se dedicando a estudar o corpo da mulher na menopausa. E no climatério, que é como se chamava o período em que seus ciclos hormonais já estão bem doidos, mas você ainda menstrua de vez em quando, antes de o livro De quatro1 ser traduzido em português e a minha bolha woke ficar mais familiarizada com o termo perimenopausa. O nome pode até ser diferente, mas a questão é a mesma: tudo fica bem, bem louco, seus hormônios (ou a falta deles) dominam boa parte de suas ações e emoções, e seus ciclos ficam imprevisíveis. Pelo menos comigo é assim.
Some a perda ridícula de colágeno à de memória de curto prazo e à de cabelos castanhos tão lindos cor de chocolate amargo e garanta também (zero surpresa aí) a perda de boa parte de sua autoestima e autoconfiança. Pague dois e leve cinco. Seis. Sei lá.
Voltando ao consultório da K.C. Eu me queixava da irregularidade do meu ciclo menstrual. Eu não fazia mais ideia de quando ia menstruar e, na hora em que isso acontecia, eu tinha dores fortíssimas no abdômen. Uma dor que irradiava pelas coxas até os joelhos e que atingia a lombar de modo que qualquer posição era desconfortável. Ajustar a lombar significava sentir o abdômen. Ajustar as pernas comprimia a lombar. Eu sou ruim de tomar remédio, detesto analgésico pra cólicas. Me sinto mentalmente lenta quando tomo. Mas, de vez em quando, acabo apelando. É sempre uma conta entre o que estou mais disposta a enfrentar: a dor ou a leseira. Muitas vezes, escolho a leseira. Outras tantas, a dor.
Pois naquele dia, em março de 2023, com o ciclo menstrual variando de 14 a 70 dias (você leu certo) a K.C. me fez uma pergunta que eu não esperava escutar. O que você prefere? Não menstruar mais ou menstruar regularmente? Minha resposta imediata sem pensar nem um segundo me surpreendeu ainda mais. Menstruar regulamente, óbvio! K.C. riu e me disse, com aquele olhar condescendente que mesmo as médicas que são suas amigas usam quando você diz um absurdo completo: Paula. Não tem nada de óbvio nisso. Inclusive, pela minha experiência, a maior parte das mulheres responde o contrário do que você respondeu. Minha boca se abriu e meu olhar ficou paralisado. Para mim era cristalino: parar de menstruar tinha só um significado. Meu corpo estaria automaticamente velho. Não importa tudo que nos dizem. A menstruação é o último atestado de juventude a que posso me agarrar.
Comecei, então, um projeto. Na próxima vez em que eu menstruasse, sabe-se lá quando seria isso, eu esperaria 14 dias e começaria a tomar progesterona por outros 14 dias. Isso, prometia K.C., faria minha menstruação regularizar. Dito e feito. Durante algum tempo aconteceu uma coisa que desde os meus 32 anos não acontecia: eu passei a menstuar de 28 em 28 dias. Mas vocês se lembram que eu detesto tomar remédio, né? Comecei a ratear, esquecer de comprar, esquecer de tomar, e, quando vi, no final do ano passado estava com o ciclo menstrual todo doido de novo.
Até que, em 25 de janeiro deste ano, eu menstruei depois de uns 16 dias. Foi desses ciclos curtinhos. E, de novo, hoje. 128 dias, ou quatro meses e uma semana, depois. Fora o período da gravidez, nunca tinha demorado tanto. Eu já estava me questionando se eu ainda teria uma menstruação na vida, toda hora isso passava pela minha cabeça. Cento-e-vinte-e-oito fuckin dias e a resposta veio na forma de um líquido pegajoso, dores intensas, uma mensagem pra K.C. e uns trinta pedidos de exames. E um medo: será que esta é a última? Realmente, eu não me sinto preparada para parar de mestruar. Não sei a Miranda July, mas estou achando essa possibilidade o fim da picada.
Eu tenho medo. Acho que muitas mulheres na minha situação têm esse mesmo medo. Tenho medo da menopausa. De ser considerada “fora do mercado”. Velha é a palavra. Antes que vocês perguntem, sim: se for uma possibilidade pra mim, pretendo fazer reposição hormonal. Inclusive, os exames que tenho pra fazer nos próximos dias são pra levar pra K.C. pra gente ver isso. Mas que meu corpo tenha um sinal tão nítido de que uma etapa da minha vida está passando e outra está começando é bem assustador, sabe? Nem eu sabia, até K.C. me perguntar, que eu prezava tanto derramar sangue por entre as pernas de tempos em tempos. Nem digo que gosto. Acho que só me habituei, e a falta disso vai ser um lembrete evidente demais de que mudei de fase no jogo da vida. Mas esse dia ainda não é hoje.
Hoje eu não vou pontuar no Gym Rats do pessoal do trabalho. Hoje eu vou desmarcar o cinema com minha amiga. Hoje eu comprei uma massa e um queijo bom no mercado e vou jantar uma comida quentinha com o mínimo esforço possível. Hoje eu vou deitar no sofá e maratonar Vale Tudo. Hoje talvez seja o primeiro dia da última menstruação da minha vida. Hoje eu vou escolher a leseira.
De quatro é um romance escrito pela autora estadunidense Miranda July e publicado no Brasil ano passado pela Amarcord, com tradução de Bruna Beber. Na trama, uma mulher de quarenta e alguns anos se aventura numa viagem a Nova York. Não vou me estender aqui. Leia.
Mt bom!
Ainda quero escrever sobre isso também.